sexta-feira, 23 de junho de 2006

Velhos do Restelo

Este óleo de Carlos Alberto Santos (col. particular) é uma representação dos Velhos do Restelo. Personagens míticas criadas por Luís Vaz de Camões!

Mas um velho, de aspecto venerando,
que ficava nas praias, entre a gente,
postos em nós os olhos, meneando
três vezes a cabeça, descontente,
a voz pesada um pouco alevantando,
que nós no mar ouvimos claramente,
Cum saber só de experiências feito,
tais palavras tirou do experto peito:
Ó glória de mandar, ó vã cobiça
desta vaidade a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
c'ua aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
que crueldades nele experimentas!"
Dura inquietação da alma e da vida
fonte de desamparos e adultérios,
sagaz consumidora conhecida
de fazendas, de reinos e de impérios!
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
sendo digna de infames vitupérios;
chamam-te Fama e Glória Soberana,
nomes com quem se o povo néscio engana!
A que novos desastres determinas
de levar estes Reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas,
debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos e de minas
d' ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? Que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?"
Não tens junto contigo o Ismaelita,
com quem sempre terás guerras sobejas?
Não segue ele do Arábio a lei maldita,
se tu pela de Cristo só pelejas?
Não tem cidades mil, terra infinita,
se terras e riqueza mais desejas?
Não é ele por armas esforçado,
se queres por vitórias ser louvado?"
Deixas criar às portas o inimigo,
por ires buscar outro de tão longe,
por quem se despovoe o Reino antigo,
se enfraqueça e se vá deitando a longe;
buscas o incerto e incógnito perigo
por que a Fama te exalte e te lisonje
chamando-te senhor, com larga cópia,
da Índia, Pérsia, Arábia e da Etiópia.
Oh, maldito o primeiro que, no mundo,
nas ondas vela pôs em seco lenho!
Digno da eterna pena do Profundo,
se é justa a justa Lei que sigo e tenho!
Nunca juízo algum, alto e profundo,
nem cítara sonora ou vivo engenho
te dê por isso fama nem memória,
mas contigo se acabe o nome e glória!
Trouxe o filho de Jápeto do Céu
o fogo que ajuntou ao peito humano,
fogo que o mundo em armas acendeu,
em mortes, em desonras (grande engano!).
Quanto melhor nos fora, Prometeu,
e quanto para o mundo menos dano,
que a tua estátua ilustre não tivera
fogo de altos desejos, que a movera!
Não cometera o moço miserando
o carro alto do pai, nem o ar vazio
o grande arquitector co filho, dando
um, nome ao mar, e o outro, fama ao rio.
Nenhum cometimento alto e nefando
por fogo, ferro, água, calma e frio,
deixa intentado a humana geração.
Mísera sorte! Estranha condição!"

Explicação aqui