Centenas de escolas estão a fechar no interior. Também encerram hospitais, maternidades, estações do correio e outros serviços públicos. Muitas localidades antes servidas pelo caminho-de-ferro viram desaparecer o comboio.
Tudo isto acontece porque não se justifica manter serviços onde há tão pouca gente. Mas, porque desaparecem os serviços, ainda menos pessoas ficam no interior. Só não sai quem não pode.
Este ciclo vicioso está a mudar Portugal.
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E o poder local, no meio de muito desperdício e de atentados ao ambiente por acção ou omissão, construiu infra-estruturas que há anos não existiam. Entretanto, as auto-estradas e o progresso das telecomunicações reduzem o isolamento da vida no interior. Mas isto não chega para travar o afluxo às áreas do litoral, não obstante a qualidade de vida nos grandes centros urbanos piorar a olhos vistos.
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Mesmo quando há escolas, os jovens abandonam o interior porque não encontram ali oportunidades de trabalho. Escasseiam empregos porque não existe investimento empresarial. E este falta, entre outros motivos, porque é difícil encontrar no interior quem esteja disposto a trabalhar na agricultura ou na construção civil, por exemplo. O rendimento mínimo tem os seus efeitos perversos, entre os quais o estímulo a não trabalhar. O Estado parece ser o único patrão desejado. Quando este se retira, fica o deserto.
Poderia ter sido de outra maneira? Duvido, a menos que se gastassem verbas astronómicas a promover artificialmente o desenvolvimento do interior. Fala-se há décadas de desenvolvimento regional, mas, numa altura em que a competição acrescida decorrente da integração europeia e da globalização exigem ganhos de produtividade, torna-se inevitável a concentração geográfica de recursos humanos e materiais onde eles se revelem mais eficazes - normalmente, onde já existem equipamentos, outras empresas e massa crítica de gente qualificada. Ou seja, nas zonas urbanas do litoral.
Há quem volte a falar na regionalização, o que mais uma vez mostra a nossa tendência para ver no Estado a solução para todos os problemas. Mas mudanças na arquitectura do poder político e administrativo não travam o declínio das aldeias: poderão existir algumas cidades médias no interior, mas absorvendo (como já acontece) as populações dispersas pelas aldeias, a começar pela população escolar.
Para que servem, então, as auto-estradas, incluindo as que não têm portagem e supostamente deveriam estimular o desenvolvimento do interior? Servem sobretudo para as pessoas que vivem no litoral, numa faixa entre Viana do Castelo e Setúbal, irem passar fins-de-semana e férias "à terra" ou às residências secundárias que entretanto adquiriram. A vida no interior do País é cada vez mais sazonal.
Um novo interior poderá e deverá surgir. Até para desenvolver aí o turismo, é preciso preservar a paisagem que ainda não foi destruída e cuidar do ambiente. Mas o estilo de vida tradicional nessas regiões desaparece inexoravelmente. O que é um enorme drama humano.
Não há mudança sem dor. Por volta de 1880, o escritor Henry James lamentava amargamente que a Nova Iorque da sua infância já não tivesse campos verdes, mas estivesse cheia de moradias.
Por muito que o interior de Portugal venha um dia a ser algo aprazível de visitar e onde seja bom viver (o que é tudo menos certo), ninguém evita o sofrimento dos que agora vêem ruir à sua volta o mundo que era o seu. Esperemos que, ao menos, o sacrifício destas vítimas do progresso sirva para alguma coisa.
Francisco Sarsfield Cabral