A razão principal, pela qual certas freguesias querem passar a município, não é a identidade, a história ou o estatuto, mas sim uma razão financeira. Deriva de uma incorrecta Lei de Finanças Locais (LFL) cujos contornos são mais facilmente explicáveis por precários equilíbrios políticos do que por qualquer racionalidade económica.
Hoje em dia qualquer freguesia que se torne município recebe à cabeça um milhão de euros (o que todos receberam em 2003) mais verbas do fundo geral e fundo de coesão. Hoje Canas de Senhorim (freguesia) recebe 64,5 mil euros mais aquilo que Nelas (concelho) benevolentemente lhe atribuir. Nelas (freguesia) é mais pequena em área e em população que Canas e por isso só recebe 57,4 mil, em contrapartida o município recebe 4,39 milhões de transferências.
Afirmar que a razão financeira é uma razão primordial, não quer dizer que não seja uma boa razão. Imagine-se que Nelas (município) concentra grande parte dos seus investimentos na sua freguesia. Neste contexto seria compreensível a indignação dos habitantes de Canas, a maior freguesia do concelho. Muitos casos de freguesias que se querem separar dos respectivos concelhos, têm a ver também com uma componente de se sentirem os parentes pobres a quem se dá apenas umas migalhas.
O problema fundamental da actual Lei de Finanças Locais é o critério de distribuição uniforme pelos municípios que tem um peso excessivo e que não só beneficia os municípios menos populosos (não necessariamente os mais pobres!) como incentiva a fragmentação administrativa. Para se perceber o efeito deste critério pense-se que ele não existe e que os dois únicos critérios são a população e a área. Neste caso a partição (ou agregação) de um município em nada alteraria as transferências totais para os municípes da mesma circunscrição geográfica. Neste caso se Canas saísse de Nelas, as transferências totais para os respectivos municípes seriam inalteradas.
Facilmente se conclui pois que a actual LFL dá um prémio à fragmentação administrativa de municípios e freguesias (onde este critério pesa respectivamente 14,8 por cento e 25 por cento) e desincentiva fortemente qualquer concentração.
Fazendo um pouco de história, na primeira LFL (1979) este critério não existia, em 1984 passa a uns modestos 5 por cento, em 1987 sobe para 10 por cento, em 1992 sobe para 15 por cento. Em 1998, porventura por influência de alguma análise económica, cai abruptamente para uma proporção efectiva de 3,9 por cento (0,05*0,786). Mas eis que, por volte face legislativo, a política volta a dominar a economia e o critério ganha o estatuto de Fundo de Base Municipal, como que a consagrar a sua irreversibilidade.
Há que ser claro, a razão pela qual foi criado o Fundo de Base Municipal é apenas política. Não tem nada a ver com solidariedade com os municípios mais pequenos, pois a solidariedade deve-se, não aos mais pequenos, mas aos mais pobres e para isso existe outro fundo, em boa hora criado, o Fundo de Coesão Municipal.
A Lei quadro de criação de municípios não precisa de ser significativamente alterada. Talvez nalguns aspectos pontuais possa ser melhorada. Por exemplo circunscrições que tenham uma proporção muito significativa de residentes temporários (não eleitores), mas que possuem habitação no local e pagam impostos locais. Contudo, e nisso partilho opiniões já manifestadas, não pode ser uma caixa aberta para toda e qualquer solicitação baseada em razões mais ou menos históricas. Sobretudo, com a actual Lei das Finanças locais que urge rever.
Não estraguemos a reforma concebida por Mouzinho, mas aceitemos que há que repensar novamente a reforma administrativa, na base de critérios abstractos e objectivos e não de casos pontuais, numa reforma "à la carte".
Paulo Trigo Pereira*
J*Professor do ISEG
ornal “O Público” 03-07-28
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