terça-feira, 21 de junho de 2005

O QUE EU LI

Carta aberta ao engenheiro José Sócrates
Santana Castilho*
Esta é a terceira carta que lhe dirijo. As duas primeiras, motivadas por um convite que
formulou mas não honrou, ficaram descortesmente sem resposta. A forma escolhida
para a presente é obviamente retórica e assenta num direito que o Senhor ainda não
eliminou: o de manifestar publicamente indignação perante a mentira e as opções
injustas e erradas da governação.
Por acção e omissão, o Senhor deu uma boa achega à ideia, que ultimamente ganhou
forma na sociedade portuguesa, segundo a qual os funcionários públicos seriam os
responsáveis primeiros pelo descalabro das contas do Estado e pelos malefícios da
nossa economia. Sendo a administração pública a própria imagem do Estado junto do
cidadão comum, é quase masoquista o seu comportamento. Desminta, se puder, o
que passo a afirmar:
1. Do Statistics in Focus n.º 41/2004, produzido pelo departamento oficial de
estatísticas da União Europeia, retira-se que a despesa portuguesa com os salários e
benefícios sociais dos funcionários públicos é inferior à mesma despesa média dos
restantes países da Zona Euro.
2. Outra publicação da Comissão Europeia, L"Emploi en Europe 2003, permite
comparar a percentagem dos empregados do Estado em relação à totalidade dos
empregados de cada país da Europa dos 12. E que vemos? Que em média, nessa
Europa, 25,6 por cento dos empregados são empregados do Estado, enquanto em
Portugal essa percentagem é de apenas 18 por cento. Ou seja, a mais baixa dos 12
países, com excepção da Espanha. As ricas Dinamarca e Suécia têm quase o dobro,
respectivamente 32 e 32,6 por cento. Se fosse directa a relação entre o peso da
administração pública e o défice, como estaria o défice destes dois países?
3. Um dos slogans mais usados é o do peso das despesas de saúde. A insuspeita
OCDE diz que na Europa dos 15 o gasto médio por habitante é de 1458 ?. Em
Portugal esse gasto é... 758 ?. Todos os restantes países, com excepção da Grécia,
gastam mais que nós. A França 2730 ?, a Áustria 2139, a Irlanda 1688, a Finlândia
1539, a Dinamarca 1799, etc.
Com o anterior não pretendo dizer que a administração pública é um poço de virtudes.
Não é. Presta serviços que não justificam o dinheiro que consome. Particularmente na
saúde, na educação e na justiça. É um santuário de burocracia, de ineficiência e de
ineficácia. Mas, infelizmente para o país, os mesmos paradigmas são transferíveis
para o sector privado. Donde a questão não reside no maniqueísmo em que o Senhor
e o seu ministro das Finanças caíram, lançando um perigoso anátema sobre o
funcionalismo público. A questão reside em corrigir o que está mal, seja público, seja
privado. A questão reside em fazer escolhas acertadas. O Senhor optou pelas piores.
De entre muitas razões que o espaço não permite, deixe-me que lhe aponte duas:
1. Sobre o sistema de reformas dos funcionários públicos têm-se dito barbaridades.
Como é sabido, a taxa social sobre os salários cifra-se em 34,75 por cento (11 por
cento pagos pelo trabalhador, 23,75 por cento pagos pelo patrão). Os funcionários
públicos pagam os seus 11 por cento. Mas o seu patrão Estado não entrega
mensalmente à Caixa Geral de Aposentações, como lhe competia e exige aos demais
empregadores, os seus 23,75 por cento. E é assim que as "transferências"
orçamentais assumem perante a opinião pública não esclarecida o odioso de serem
formas de sugar os dinheiros públicos. Por outro lado, todos os funcionários públicos
que entraram ao serviço em Setembro de 1993 já verão a sua reforma calculada
segundo os critérios aplicados aos restantes portugueses. Estamos a falar de quase
metade dos activos. E o sistema estabilizará nessa base em pouco mais de uma
década.
Mas o seu pior erro, Senhor Engenheiro, foi ter escolhido para artífice das iniquidades
que subjazem à sua política o ministro Campos Cunha, que não teve pruridos
políticos, morais ou éticos por acumular aos seus 7000 euros de salário os 8000 de
uma reforma conseguida com seis anos de serviço. E com a agravante de a obscena
decisão legal que a suporta ter origem numa proposta de um colégio de que o próprio
fazia parte.
2. Quando escolheu aumentar os impostos, viu o défice e ignorou a economia. Foi ao
arrepio do que se passa na Europa. A Finlândia dos seu encantos baixou-os em
quatro pontos percentuais, a Suécia em 3,3 e a Alemanha em 3,2. Porque não optou
por cobrar os 3,2 mil milhões de euros que as empresas privadas devem à segurança
social? Porque não pôs em prática um plano para fazer andar a execução das dívidas
fiscais pendentes nos tribunais tributários e que somam 20.000 milhões de euros?
Porque não actuou do lado dos benefícios fiscais, que em 2004 significaram 1000
milhões de euros? Porque não modificou o quadro legal que permite aos bancos, que
duplicaram lucros em época recessiva, pagar apenas 13 por cento de impostos?
Porque não revogou a famigerada Reserva Fiscal de Investimento e a iníqua lei que
permitiu à PT Telecom não pagar impostos pelos prejuízos que teve... no Brasil, o que,
por junto, representará cerca de 6500 milhões de euros de receita fiscal perdida?
A verdade e a coragem foram atributos que Vossa Excelência invocou para se
diferenciar dos seus opositores. Quando subiu os impostos, que perante milhões de
portugueses garantiu que não subiria, ficámos todos esclarecidos sobre a sua
verdade. Quando elegeu os desempregados, os reformados e os funcionários públicos
como principais instrumentos de combate ao défice, percebemos de que teor é a sua
coragem.
* Professor do ensino superior

1 comentário:

Anónimo disse...

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