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O povo unido jamais será vencido! O slogan faz sentido… em França. Com crise ou sem crise, é o país em que o horário semanal é de 35 horas. Apesar dos exageros perpetrados sempre pelos mesmos (os que já pouco tempo antes tinham tentado deixar Paris em estado de sítio), o povo francês unido disse alto e bom som quem mandava, e o vil Villepin teve que voltar atrás na sua tentativa de imposição de uma lei selvagem que ninguém queria. Se é o povo que os elege, é a vontade do povo que eles têm que cumprir.
E em Portugal? Por aqui, o povo elege-os também, mas eles dão-se ao luxo de fazer tudo ao contrário daquilo que prometeram para ser eleitos. E parece isto ser normal, ninguém se preocupa. Vivemos num país pacífico, pelos vistos só isso interessa. Festejamos o 25 de Abril como se tivesse sido a cura de todos os males. Mas o povinho estúpido, que leva e cala do governo, dos compatriotas que elegeu, um dia revolta-se, mas sempre contra o alvo errado. Há 500 anos foi contra os cristãos-novos. Amanhã será contra quem? Brasileiros, africanos, europeus de leste? Já não falta quem os comece a acusar dos nossos males. Sócrates, pelo contrário, continua a passar com distinta nota em testes de popularidade.
Em Abril de 1974 a grande notícia, com direito a letras gordas, era: “As Forças Armadas tomaram o poder”. No fundo da página, em letras bem mais pequenas, escrevia-se: “Este jornal não foi visado por qualquer comissão de censura”. Apesar de a segunda notícia ser resultado da primeira, hoje apenas a segunda se mantém importante. Apesar dos esforços, que já existem, para inverter a situação, a liberdade de expressão é a única coisa concreta que ganhámos com o 25 de Abril e da qual continuamos a usufruir. As Forças Armadas tomaram o poder. Mas, a seguir, entregaram-no a estes corruptos que hoje o detêm. Se neste país foram os militares, e não os políticos, que derrubaram Marcelo Caetano, por que motivo hoje não consegue sequer ir a votos para ser Presidente da República quem não tem uma forte máquina partidária por trás? Por que motivo é que para se ser eleito para deputado ou ministro se tem que pertencer a um partido ou por ele ser apoiado? Posso dar a minha opinião, e essa é a verdadeira conquista. Mas teríamos conquistado este direito mais tarde, naturalmente, mesmo sem 25 de Abril.
Não nego a importância da data. Antes isso do que coisa nenhuma. Mas chegados a um tempo em que criminoso não é aquele que mata um pacato cidadão, mas sim quem defende a pena de morte para esse assassino; em que criminoso não é o vândalo que destrói sinais de trânsito, caixotes do lixo ou bens alheios, mas sim o polícia que se enerva e lhe dá uma tareia; em que criminoso não é o juiz que solta um réu potencialmente perigoso, mas sim o polícia que teve a desfaçatez de o prender; um tempo em que as chamadas associações de defesa dos direitos humanos insistem em dar mais importância aos direitos dos assassinos do que aos das vítimas; finalmente, um tempo em que os torturadores da PIDE continuaram à solta porque ninguém se dignou fazer justiça em relação a eles; chegados a este tempo – dizia –, a ilação que daí tiro é que as revoluções, para serem eficazes, não se fazem com cravos, mas com balas. Porque as moscas mudaram, mas a merda continua a atolar-nos. O 25 de Abril mudou o país, mas nem tudo foi para melhor. À oligarquia sucedeu a partidocracia. A democracia, essa, ainda está por cumprir. Os trabalhadores ficaram a ganhar, ao menos, o feriado. Mas isto enquanto, sob qualquer pretexto, não lho tirarem.